Mensagem em circulação assegura que ímãs de geladeira contaminam os alimentos e provocam a tão temida doença: o cê-a. Ou seja, o câncer.
Uma coisa é certa: percentual significativo das pessoas que contraem o câncer tem em casa geladeiras com ímãs afixados na porta ou nas laterais. O "percentual significativo" fica por conta das imprecisões de mensagens como a que vamos analisar.
E daí? Dá para estabelecer uma correlação válida entre ímãs de geladeira e a doença?
Vejamos.
Começando por onde recomenda o nosso velho amigo e conselheiro Acácio: pelo começo.
Primeiro, o autor e a entidade a que ele pertence.
Segundo, os ímãs e a sua ação deletéria sobre os alimentos e a saúde de todos nós.
1. O Professor Vicente Tortosa Perez
Segundo a mensagem, o Professor VICENTE TORTOSA PEREZ pertence à UNIVERSIDAD DE ALMERIA - ESPANHA VICE-REITORADO E SERVIÇOS GERAIS UNIDADE DE EXTENSAO UNIVERSITARIA. Camino del Pozuelo s/n, 16071 - Cuenca - Espanha.
Essa informação é um bom começo porque o Professor Vicente Tortosa Perez não existe. Segundo a Universidad de Almería, não há em seus quadros nenhum professor com esse nome. Além disso, todas as instalações da Universidade de Almería encontram-se na cidade de Almería, nada existindo em Cuenca.
O órgão mencionado, VICE-REITORADO E SERVIÇOS GERAIS UNIDADE DE EXTENSAO UNIVERSITARIA não aparece entre os Órganos de Gobierno da Universidade - http://www.ual.es/.
O professor Perez cita pesquisadores da Universidade de Princeton, mas, como docente, ele deveria muito bem saber fazer referências a artigos e publicações científicas e não as faz.
Dava até para encerrar por aqui, mas continuemos.
2. Os imãs, a contaminação magnética e o seu efeito deletério sobre os alimentos
O objeto do estudo [em Princenton] era ver como afetavam as radiações eletromagnéticas dos imãs nos alimentos.
Meio confuso, mas depreende-se daí que o estudo visava determinar a influência das radiações eletromagnéticas nos alimentos dos ratos e avaliar o estado de saúde dos dois grupos de ratos: os alimentados com "alimentos magnetizados" e os alimentados com "alimentos não magnetizados". A "magnetização" ocorreria por conta das radiações eletromagnéticas associadas aos ímãs afixados na parte externa de uma das geladeiras.
Mas, nesse caso, haveria radiação eletromagnética?
A radiação eletromagnética inclui as ondas de rádio, o infravermelho, a luz visível, a luz ultravioleta, os raios-X e a radiação gama. É uma faixa muito ampla de radiação. Nenhuma delas causada ou transmitida por um ímã permanente, como o de geladeira.
Um ímã, permanente ou não, produz campo magnético e não radiação eletromagnética. Duas coisas diferentes.
Ainda que o campo magnético pudesse alterar propriedades moleculares dos alimentos dos ratos e dos seres humanos, a comida e o ímã deveriam estar bem próximos um do outro para que tal influência pudesse ocorrer. As paredes laterais e a porta da geladeira são espessas o suficiente para tornar impossível a ação do campo magnético no lado de dentro da geladeira.
Além do mais, a intensidade do campo magnético dos ímãs de geladeira é bastante fraca e não é raro alguns deles escorregarem até o chão para tristeza das donas de casa.
E mais: para que houvesse contaminação magnética dos alimentos, a ação dos ímãs deveria “penetrar” nos alimentos e lá permanecer, transformando-os em ímãs permanentes, o que é um absurdo, uma vez que os alimentos não contêm materiais magnetizáveis.
Ímãs bem mais potentes são usados, há décadas, para o fechamento das portas das geladeiras e freezers. Ímãs permanentes são enclausurados em fita de borracha afixada nas portas e asseguram o isolamento térmico. Se a ameaça fosse verdadeira, todos já estaríamos mortos.
3. Mais campo magnético na geladeira e em outros eletrodomésticos.
O resfriamento do gás que resfria a geladeira, os freezers, bem como os ambientes com aparelhos de ar condicionado deve-se à ação de compressor, movimentado pelo motor que gira em consequência do magnetismo provocado pela energia elétrica. Imagine o perigo!
4. Os ímãs de geladeira são perigosos?
Sim. Veja os perigos maiores.
Crianças podem confundir alguma peça mais realista com o que ela representa e engolir o ímã. Ou botá-lo na boca, mesmo que seja uma vassourinha, cujo original não é muito apreciado como alimento.
Bebum faminto pode confundi-los com tira-gosto. Somente no dia seguinte é que ele vai descobrir a asneira que fez.
Se alguma peça mais realista cair na panela pode ser confundida com a comida verdadeira e a descoberta somente irá ocorrer no momento da deglutição ou na hora da expedição, fase final do processamento. Mas vejamos o outro lado: nesse caso, o/a engolidor/a da peça pode adquirir uma bela personalidade magnética. Pelo menos provisória.
Mais perigo!
No final das contas, o problema maior é que a mensagem venha a produzir um novo tipo de fobia, a magnetofobia, o medo de campos magnéticos. Os que contraem esse mal viverão terríveis momentos ao tomar conhecimento que a Terra em que moramos possui um tremendo campo magnético, impossível de ser exterminado. Pelo menos até agora, mas também é verdade que cientistas não têm se empenhado muito no tema.
Difícil saber se existe tratamento para a magnetofobia, mas, por via das dúvidas, jamais dê uma bússola a pessoa com esse distúrbio. Pode ser fatal.
Os ímãs, em Portugal ímans, esses pequenos perigos, reais ou imagináveis, são muito apreciados por viajantes "mão-de-vaca", aqueles que não gostam de gastar muito dinheiro, e compram uma lembrancinha bem baratinha: um ímã de geladeira para a amiguinha.
5. Observações finais
Mesmo não tendo jamais convivido com ratos, nem mesmo os de laboratórios, desperta a curiosidade o modo de alimentação dos ratos da Universidade de Princenton. Roedores de estimação, como ratos brancos e hamsters, recebem ração peletizada e o fabricante recomenda mantê-la "em local fresco e seco, longe de produtos químicos ou com odores fortes."
Animais de laboratório recebem alimentação semelhante e a composição dela depende da natureza do experimento a realizar. A recomendação do fabricante é a mesma: guardar em local fresco e seco. Guardar em geladeira? Só se os ratos de Princenton forem muito frescos.
Conclusão: a mensagem somente contém bobagens. Nada a ser levado a sério. Esqueça.