Mensagem enviada em 31 de março de 2002 às listas Política BR, Antispam Brasil e ao Deputado autor do Projeto de Lei (dep.ivanpaixao@camara.gov.br) Em 05 de junho de 2002, enviamos nova mensagem ao deputado Ivan Paixão anexando spam que mencionava o tal Projeto de Lei. Sua Excelência o Senhor Deputado não respondeu a nenhuma das mensagens enviadas.
Senhor deputado José Ivan de Carvalho Paixão, pessoal da lista Política-BR, pessoal da lista Antispam-Brasil: O senhor deputado José Ivan de Carvalho Paixão (PPS - SE) apresentou à Câmara dos deputados, em 05/03/2002, o Projeto de Lei nº 6.210 com a finalidade de limitar "... o envio de mensagem eletrônica não solicitada ("spam"), por meio da Internet." Certamente o nobre deputado estava imbuído da melhor das boas intenções ao apresentar esse projeto de lei. No entanto, uma análise, mesmo superficial, desse texto revela que tudo o que se poderia obter desse projeto seria não só a legalização da prática do spam, como também o incentivo a essa abominável prática em nosso país. Enquanto os países da Europa, além dos Estados Unidos e do Canadá procuram restringir a ação dos spammers, o Projeto de Lei 6.210 parece seguir em sentido contrário. O fato é que o spam, o câncer da Internet, é nocivo e a sua prática deve ser coibida em razão dos prejuízos que ele acarreta para os usuários da rede e para os provedores, pelo menos para os provedores sérios, pois há os provedores picaretas criados exatamente com essa finalidade: fazer spam. Analisemos alguns tópicos do projeto apresentado à Câmara dos Deputados. "Art. 3º Toda mensagem eletrônica não solicitada deverá atender aos seguintes princípios: |
"I - a mensagem poderá ser enviada uma única vez, vedada a repetição a qualquer título sem o prévio consentimento do destinatário; | Comentário: essa permissão de enviar spam uma ''única vez" é absolutamente inconseqüente, pois em nenhum momento se estabelece qual o critério para a certificação dessa "única vez" de envio do spam. Como considerar que uma mensagem é única e não uma repetição? Pelo texto dela? Será o nome do produto ou do serviço? Ou o nome da empresa-spammer? Será o IP do provedor de origem do spam? É o nome da vítima do spam, o destinatário da mensagem? E aqueles spams "trabalhe em casa" e "ganhe dinheiro" enviados por diferentes pessoas e que divulgam o mesmo procedimento de pirâmide ou de "marketing multinível"? Todos eles são "únicos"? São muitos os provedores que permitem aos seus usuários criar milhares de contas de e-mail. Seria permitido a cada um dos diferentes e-mails vinculados a um nome de usuário enviar um spam? Todas as mensagens, todos os spams poderão se enquadrar nesse princípio, poderão ser "únicos" bastando que o remetente altere algum dado do texto da mensagem ou mude de provedor ou de e-mail. Dessa forma, esse conceito de "unicidade" é frágil, é passível de muitas interpretações e encontra-se bem ao gosto dos spammers. |
O projeto de lei continua: "II - a mensagem deverá conter, no cabeçalho e no primeiro parágrafo, uma identificação clara de que se trata de mensagem não solicitada; | Comentário: ora, não é pelo de fato de um spam identificar-se como tal e a qualificar-se como spam que ele deixa de ser spam, que ele deixa de ser nocivo e indesejado. Continua sendo uma mensagem não solicitada, imprópria e indesejada. Não é essa identificação que vai fazer com que ele deixe de ocupar espaço na conta de e-mail da vítima do spam. Não é essa identificação que vai fazer como que o tempo de "download" das mensagens desde o provedor até o computador do usuário seja alterado. Como bem sabe o senhor deputado, o usuário paga a um provedor para conectar-se à Internet. Além de pagar ao provedor, o usuário também paga à companhia telefônica pelo tempo de conexão. Quanto mais mensagens a sua caixa de correio contiver, maior será o tempo de conexão e, por via de conseqüência, maior será o custo da conta telefônica. O usuário além de receber mensagem não solicitada, além de receber lixo eletrônico ainda tem de pagar por isso. Ademais, o computador - que custa dinheiro - consome energia e quanto mais tempo ele ficar ligado por causa de spams, maior será a conta de energia no final do mês. Há quem tente comparar o spam à mala direta enviada pelo correio. Não dá para comparar porque são duas coisas totalmente diferentes. No caso da mala direta enviada pelo correio, a empresa que a envia paga todas as despesas de envio dela, pois é essa empresa que vai se beneficiar dos negócios realizados. No caso do spam, cabe ao destinatário dele pagar a mensalidade do provedor, pagar a conta da companhia telefônica, pagar a conta de energia elétrica. É inaceitável que ele pague essas contas para receber lixo, para receber mensagens que não lhe interessam como as de divulgação de sites pornográficos, divulgação de pirâmides e de outras vigarices. |
O projeto de lei continua: "III - o texto da mensagem conterá a identificação do remetente e um endereço eletrônico válido; | Comentário: é uma exigência de difícil cumprimento. Como exigir de um spammer, que compra listas de e-mails obtidas por meio de fraude, que ele ponha os dados de sua identificação no spam enviado? Todos os dias recebemos spams vendendo listas de e-mails, todas elas obtidas por meios fraudulentos. Muitos desses spams forjam os dados do cabeçalho para encobrir a sua origem. O que vai obrigar o spammer a identificar-se? Essa Lei? A própria FAPESP mantém em seus registros dados falsos informados por alguns responsáveis por domínios. Não é raro encontrar e-mails que não existem, e-mails inválidos, CGC inexistente, endereço inexistente. Como exigir que os spammers ponham informações válidas nos spams que eles enviam se eles mesmos, os spammers, informam dados falsos ou e-mails de serviços gratuitos quando do registro na FAPESP? |
O projeto de lei continua: "IV - será oferecido um procedimento simples para que o destinatário opte pelo não recebimento de outras mensagens do mesmo remetente. | Comentário: o que se entende por "procedimento simples"? Ir até a página indicada pelo spammer e preencher um quadro se identificando e pedindo, por favor, que ele, o spammer, retire o e-mail da vítima do spam de uma lista na qual jamais pediu que lá fosse incluída? Enviar uma mensagem de volta pedindo que se retire seu o nome de uma lista obtida por meios fraudulentos? Em algum momento passou pela cabeça do nobre deputado que obrigar um usuário a visitar uma página da web que não lhe interessa consome tempo, que aumenta o valor da conta telefônica? O senhor chegou a imaginar que apenas para responder de volta a mensagem isso também consome tempo? Que aumenta, desnecessariamente, o tráfego na Internet? Considere-se o nosso caso: recebemos de 70 a 80 spams por dia. Considerando que dediquemos apenas um minuto para pedir que o desagradável spammer não mais nos aborreça com as suas mensagens não solicitadas isto significaria de 70 a 80 minutos por dia dedicados a essa tarefa. Considere, senhor deputado, que esses spammers compram listas de e-mails, obtidas por meios poucos éticos, contendo sete, oito milhões de e-mails - há listas à venda com 100 milhões de e-mails. Se apenas a metade dessas pessoas se dedicasse a responder de volta as mensagens ou a visitar sites da web o que isso significaria em termos de tráfego desnecessário na Internet? O senhor já computou a energia adicional despendida nessa tarefa? Não falamos apenas de energia elétrica, mas em trabalho não realizado por conta de se perder tempo com spams. O que isto significa em termos de custo por trabalho não realizado enquanto se perde tempo respondendo a spam? Já recebemos dezenas de spams em que se abre, automaticamente, uma página da web ou em .pps (não o partido, mas o PowerPoint :-) e, enquanto essa página não abre por completo, o computador fica totalmente travado e indisponível para realizar qualquer outra atividade. Isto significa que o nosso equipamento fica, durante esse tempo, totalmente a mercê do spammer configurando uma apropriação indébita, temporária, é verdade, mas indébita. É como se tivéssemos comprado e pago um computador para deixá-lo, temporariamente à disposição de um meliante, de um spammer. Isso é mais que um desperdício, é um roubo. E mais. Quando um spammer envia sete milhões de spams existe a probabilidade de os provedores de acesso das vítimas serem distribuídos por todo o território nacional. (Vamos limitar o raciocínio aos spammers brasileiros.) Existe, portanto, a probabilidade de uma certa dispersão. Embora haja milhões de mensagens não solicitadas a percorrer a rede, e apesar de haver uma certa congestão por conta desse lixo, essa congestão é bem menor do que a que ocorreria se apenas a metade dos destinatários dos 7 milhões de spams tentassem, todos eles, acessar ao mesmo tempo o provedor do spammer para solicitar a exclusão dos respectivos e-mails da lista dele. Situação semelhante ocorreria com uma enxurrada de 3 ou 4 milhões de e-mails todos eles destinados ao mesmo provedor, o de origem do spam. É bom notar que acima se considerou a existência de apenas um spammer quando, na verdade, existem algumas dezenas ou centenas deles exercitando essa prática danosa e antiética. |
O projeto de lei continua: "Parágrafo único. É vedado o envio de mensagem eletrônica não solicitada a quem tiver se manifestado ao remetente contra seu recebimento." | Comentário: o texto é inconseqüente. "É vedado": quem o impede? De que maneira? Quais as sanções para quem descumprir essa "vedação"? Multa de 800 reais? O spammer não se identifica, põe o número de um telefone pré-pago, frauda um endereço da China ou da Coréia. Quem vai até lá para cobrar uma multa de 800 reais? |
Tem mais: "Art. 4º Todo usuário de rede de computadores que utilizar serviço de correio eletrônico tem o direito de identificar, bloquear e optar por não receber mensagens eletrônicas não solicitadas. | Comentário: será que já existe algum lei proposta por um nobre deputado dizendo que todo o cidadão brasileiro tem o direito de respirar enquanto estiver vivo? Esse artigo parece pretender regulamentar o óbvio e é, portanto, inconseqüente. |
Continuando. Veja o parágrafo primeiro do Art. 4º: "§ 1º O destinatário pode exigir do seu provedor de acesso ou de correio eletrônico, ou do provedor do remetente, o bloqueio de mensagens não solicitadas, desde que informado o endereço eletrônico do remetente. | Comentário: como o usuário pode saber, de antemão, quais os spammers que irão lhe aborrecer ao longo desta semana, por exemplo? Quer dizer, como nós poderemos informar ao nosso provedor para bloquear as mensagens enviadas pelos spammers que ainda não conhecemos? De qualquer forma, o provedor do remetente, sabe, na maioria das vezes, quem são os seus clientes, quais são os spammers contumazes. Não caberia a ele se antecipar e bloquear TODOS os spams que partissem desses spammers? E mais: o que significa "exigir"? Como o usuário, a vítima do spam, vai "exigir" de um provedor que não mais lhe envie os spams originados dele, do spammer? Recitando uma lei? |
E mais. "§ 3º Não será responsabilizado pelo recebimento indevido de mensagem eletrônica não solicitada o provedor de acesso ou de serviço de correio eletrônico que tenha se utilizado, de boa fé, de todos os meios a seu alcance para bloquear a transmissão ou recepção da mensagem." | Comentário: duas palavrinhas constituem o nó nesse parágrafo: "boa fé". Ora, como considerar que um ato é de boa fé ou não? Isso é subjetivo. A legislação deve caracterizar de forma clara, objetiva e inequívoca as condições sob as quais um ato deve ser considerado contrário ou não aos termos dela. E esses spams que propagandeiam "gospels", sites religiosos e afins são spams de boa fé? |
O Artigo 5º estabelece a multa pelo descumprimento da lei: "Art. 5º As infrações aos preceitos desta lei sujeitarão o infrator à pena de multa de até oitocentos reais por mensagem enviada, acrescida de um terço na reincidência. | Comentário: desculpe-nos a franqueza, mas da forma como aí se encontra isso é um delírio e demonstra total desconhecimento do assunto sobre o qual o deputado pretende legislar. Vejamos. O que se considera "mensagem enviada"? Cada mensagem que chega a um destinatário vítima do spam? Como se vai fazer essa contagem? Fazer uma enquete ou uma pesquisa para saber quem recebeu o spam? Perguntar ao remetente quantas mensagens ele enviou? Perguntar ao provedor de origem do spam quantos spams foram por ele enviados? Veja, por exemplo o caso daquele provedor que obteve, de uma juíza da cidade de Campo Grande, uma decisão favorável à continuação da prática do spam. O provedor é http://www.localsystem.com.br . Esse provedor abriga (pelo menos) dois clientes: http://www.digitalnews.com.br e http://www.newsmail.com.br. Sugiro que os senhores, inclusive o senhor deputado, cliquem nesses links. Os senhores verão quais os "produtos" que eles vendem: listas com 7 milhões de e-mails! Se alguém comprar uma dessas listas e enviar mensagens a todos os e-mails nelas contidos, quem vai pagar a multa de R$ 5.600.000.000,00? Mais de 5 bilhões de reais. O provedor de origem? O "dono" do produto divulgado? A "empresa" encarregada de enviar os spams? Ou o senhor vai incluir uma verba no orçamento da União para fazer face a essa despesa extraordinária causada pelos spammers? Mesmo que se penalize com uma multa de um real por spam enviado daria sete milhões de reais. É muito dinheiro. Pelo menos para a imensa maioria de brasileiros honestos. (Para exercício de raciocínio, consideremos os spammers como pessoas honestas ;-) É importante que se caracterize melhor a responsabilidade pelo envio do spam: qual a parcela de responsabilidade do provedor, do "dono" da marca, produto ou serviço divulgado e, ainda, da "empresa" encarregada de produzir e de enviar os spams. É fundamental que se estabeleçam multas e que as multas sejam definidas de forma a inibir os infratores. Talvez oitocentos reais seja um valor muito elevado se considerada a contagem de mensagem da forma como foi descrita acima. Talvez seja um valor irrisório. É preciso definir melhor de que forma a multa seria aplicada. |
O Projeto de Lei do deputado José Ivan de Carvalho Paixão tem o mérito de levantar o problema, de buscar um solução para esse câncer da Internet: o spam. Todos achamos que já é tempo de tratar esse tema de uma forma responsável. O projeto de lei apresentado pelo deputado, no entanto, tem uma estrutura frágil, é ambíguo e encontra-se bem ao gosto dos spammers. Ao analisar essa praga, esse câncer que é o spam é importante que se considerem os prejuízos ocasionados por essa prática predatória, pelo mau uso da Internet. Outra coisa que se deve fazer é atentar para a ação dos spammers. Eles agem à margem dos princípios éticos em todos os estágios: na obtenção dos e-mails, no envio deles, na prática do spam. Primeiramente, na obtenção dos e-mails através do uso de programas "e-mail extractors". Esses programas percorrem as páginas da web e vão "catando" todos os e-mails que encontram pela frente. Eles não pedem permissão nem tampouco recebem a permissão dos donos desses e-mails para arquivá-los nas bases de dados que eles montam. É uma ação típica de roubo, de estelionato, pois os spammers se apropriam de algo que não lhes pertence, os nossos e-mails, e os vendem a terceiros numa ação reprovável sob todos os aspectos. Em seguida, os espertalhões enviam spams divulgando as listas de e-mails obtidas por meio fraudulento. Eles vendem os "banco de dados" contendo milhões de e-mails obtidos de forma não ética. Ou alguém imagina que eles consultaram pelo menos um milhão de pessoas e obtiveram a permissão delas para incluir os seus e-mails nessa enormidade de lista? Os que adquirem essas listas de e-mails obtidas por meio fraudulento passam a enviar milhões de mensagens a quem não as solicitou e nem tampouco está interessado nelas. A maioria dos remetentes de spams usa de artifícios para mascarar os servidores de origem e para informar endereços de e-mails falsos como de origem deles. Além disso, enviam e-mails indiscriminadamente, sem nenhuma preocupação quanto ao interesse ou à idade do destinatário. Na semana passada (última semana de março de 2002), por exemplo, recebemos um spam com várias fotos divulgando um site pornográfico e fazendo referência ao nome de uma conhecida cantora, uma adolescente de 15 ou 16 anos. (Não vi nenhuma das fotos contidas no site, é impossível que elas sejam reais e é certo que sejam montagens grosseiras é bom que se diga.) Spam promovendo pornografia infantil enviado a quantos outros usuários? Quantos dos milhões de destinatários são de menor idade? É impossível sabê-lo. Pra encerrar: estamos em ano de eleições e o spam, que muitos consideram apenas como o envio de mensagens comerciais não solicitadas divulgando produtos e serviços é uma tentação para um sem número de candidatos a deputado, governador, senador, vereador e a presidente (e até a Casa dos Artistas). É necessário que se estenda o conceito de spam de modo que ele venha a abrigar as mensagens enviadas por essa gente, esses candidatos que se aproveitam de um meio barato para eles, os spammers, e enchem a nossa caixa de correio, a nossa paciência, e, perdão pelo termo chulo, o saco com mensagens de propaganda política. Senhor deputado, senhores listeiros: a discussão continua. Atenciosamente, Gevilacio A. C. de Moura |